EXAME DE URINA – Leucócitos, Nitritos, Hemoglobina…
EXAME DE URINA – Leucócitos, Nitritos, Hemoglobina…
O exame de urina é uma das principais formas de diagnóstico das doenças do trato urinário. Entenda o que significam cada um dos itens do exame.
Autor Dr. Pedro Pinheiro Atualizado em 30 abr, 2017
O exame de urina é usado como método diagnóstico complementar desde o século II. Trata-se de um exame indolor, de simples coleta e resultado rápido, o que o torna muito menos penoso que as análises de sangue, que só podem ser colhidas através de agulhas.
O exame sumário da urina pode nos fornecer pistas importantes sobre doenças, principalmente sobre problemas nos rins e nas vias urinárias. A presença de sangue, piócitos (pus), proteínas, glicose e diversas outras substâncias na urina costuma ser uma dica importante para doenças que podem ainda não estar apresentando sinais ou sintomas muito claros.
O fato da urina ter uma aparência completamente normal não significa que ela não possa conter alterações. Mesmo a presença de sangue pode ser apenas microscópica, não sendo possível a sua identificação por qualquer outro meio que não através do exame laboratorial da urina.
A urina também pode ser usada para pesquisar a presença de drogas no organismo, sejam elas lícitas ou ilícitas. Todavia, para esse tipo de pesquisa, exames especiais precisam ser solicitados. O exame simples de urina, chamado EAS ou Urina tipo 1, não tem como objetivo fazer doseamentos de drogas ou medicamentos.
As três análises de urina mais comuns são:
1- EAS (elementos anormais do sedimento) ou urina tipo 1*
2- URINA DE 24 HORAS
3- UROCULTURA
* Em Portugal, o EAS é chamado de Urina 2.
Neste artigo iremos abordar apenas o exame simples de urina, conhecido também como EAS, urina tipo I ou urina tipo II.
As informações contidas aqui têm como objetivo ajudar na compreensão dos resultados das análises de urina. De modo algum o paciente deve usar este texto para interpretar exames sem a orientação de um médico. A presença de leucócitos na urina, um pH alterado, a descrição de células epiteliais, a existência de muco ou qualquer outro achado no EAS devem ser sempre correlacionados com a história clínica, os sintomas e o exame físico do paciente.
EAS ou urina tipo I
O EAS é o exame de urina mais simples, feito através da coleta de 40-50 ml de urina em um pequeno pote de plástico. Normalmente solicitamos que se use a primeira urina da manhã, desprezando o primeiro jato. Esta pequena quantidade de urina desprezada serve para eliminar as impurezas que possam estar na uretra (canal urinário que traz a urina da bexiga). Após a eliminação do primeiro jato, enche-se o recipiente com o resto da urina.
A primeira urina da manhã é a mais usada, mas não é obrigatório. A urina pode ser coletada em qualquer período do dia.
A amostra de urina deve ser colhida idealmente no próprio laboratório, pois quanto mais fresca estiver, mais confiáveis são os seus resultados. Um intervalo de mais de duas horas entre a coleta e a avaliação pode invalidar o resultado, principalmente se a urina não tiver sido mantida sob refrigeração.
O EAS é divido em duas partes. A primeira é feita através de reações químicas e a segunda por visualização de gotas da urina pelo microscópio.
Na primeira parte mergulha-se uma fita na urina, chamada de dipstick, como na foto do início do texto. Cada fita possuiu vários quadradinhos coloridos compostos por substâncias químicas que reagem com determinados elementos da urina.
Através destas reações e com o complemento do exame microscópico, podemos detectar a presença e a quantidade dos seguintes dados da urina:
– Densidade.
– pH.
– Glicose.
– Proteínas.
– Hemácias (sangue).
– Leucócitos.
– Cetonas.
– Urobilinogênio e bilirrubina.
– Nitrito.
– Cristais.
– Células epiteliais e cilindros.
Os resultados do dipstick são qualitativos e não quantitativos, isto é, a fita identifica a presença dessas substâncias citadas acima, mas a quantificação é apenas aproximada. O resultado é normalmente fornecido em uma graduação de cruzes de 1 a 4. Por exemplo: uma urina com “proteínas 4+” apresenta grande quantidade de proteínas; uma urina com “proteínas 1+” apresenta pequena quantidade de proteínas. Quando a concentração é muito pequena, alguns laboratórios fornecem o resultado como “traços de proteínas”.
- Densidade:
A densidade da água pura é igual a 1000. Quanto mais próximo deste valor, mais diluída está a urina. Os valores normais variam de 1005 a 1035. Urinas com densidade próximas de 1005 estão bem diluídas; próximas de 1035 estão muito concentradas, indicando desidratação. Urinas com densidade próxima de 1035 costumam ser muito amareladas e normalmente possuem odor forte.
- pH:
A urina é naturalmente ácida, já que o rim é o principal meio de eliminação dos ácidos do organismo. Enquanto o pH do sangue costuma estar em torno de 7,4, o pH da urina varia entre 5,5 e 7,0, ou seja, bem mais ácida.
Valores de pH maiores ou igual 7 podem indicar a presença de bactérias que alcalinizam a urina. Outros fatores que podem deixar a urina mais alcalina são uma dieta pobre em proteína animal, dieta rica em frutas cítricas ou derivados de leite, e uso de medicamentos como acetazolamida, citrato de potássio ou bicarbonato de sódio. Ter tido vômitos horas antes do exame também pode ser uma causa de urina mais alcalina. Em casos mais raros, algumas doenças dos túbulos renais também podem deixar a urina com pH acima de 7,0.
Valores menores que 5,5 podem indicar acidose no sangue ou doença nos túbulos renais. Uma dieta com elevada carga de proteína animal também pode causar uma urina mais ácida. Outras situações que aumentam a acidez da urina incluem episódios de diarreia ou uso de diurético como hidroclorotiazida ou clortalidona.
O valor mais comum é um pH por volta de 5,5-6,5, porém, mesmo valores acima ou abaixo dos descritos podem não necessariamente indicar alguma doença. Este resultado deve ser interpretado pelo seu médico.
- Glicose:
Toda a glicose que é filtrada nos rins é reabsorvida de volta para o sangue pelo túbulos renais. Deste modo, o normal é não apresentar evidências de glicose na urina.
A presença de glicose na urina é um forte indício de que os níveis sanguíneos estão altos. É muito comum pessoas com diabetes mellitus apresentarem perda de glicose pela urina. Isto ocorre porque a quantidade de açúcar no sangue está tão alta, que parte deste acaba saindo pela urina. Quando os níveis de glicose no sangue estão acima de 180 mg/dl, geralmente há perda na urina.
A presença de glicose na urina sem que o indivíduo tenha diabetes costuma ser um sinal de doença nos túbulos renais. Isso significa que apesar de não haver excesso de glicose na urina, os rins não conseguem impedir sua perda.
Basicamente, a presença de glicose na urina indica excesso de glicose no sangue ou doença dos rins.
- Proteínas:
A maioria das proteínas que circula no sangue é grande demais para ser filtrada pelo rim, por isso, em situações normais, não costumamos ver proteínas presentes na urina. Na verdade, podem até existir pequenas quantidades de proteínas na urina, mas elas são tão poucas que não costumam ser detectadas pelo teste da fita. Portanto, uma urina normal não possui proteínas.
Quantidades pequenas de proteínas na urina podem ser causadas por dezenas de situações, que vão desde situações benignas e triviais, tais como presença de febre, exercício físico horas antes da coleta de urina, desidratação ou estresse emocional, até causas mais graves, como infecção urinária, lúpus, doenças do glomérulo renal e lesão renal pelo diabetes.
Grandes quantidade de proteínas na urina, por outro lado, quase sempre indicam a presença de uma doença dos rins, geralmente doenças do glomérulos renais, que são as estruturas microscópicas responsáveis pela filtração do sangue.
A presença de proteínas na urina é chamada de proteinúria e deve ser sempre investigada. O exame da urina de 24h é normalmente feito para se quantificar com exatidão a quantidade de proteínas que se está perdendo na urina.
- Hemácias na urina – hemoglobina na urina – sangue na urina:
Assim como nas proteínas, a quantidade de hemácias (glóbulos vermelhos) na urina é desprezível e não consegue ser detectada pelo exame da fita. Mais uma vez, os resultados costumam ser fornecidos em cruzes. O normal é haver ausência de hemácias (hemoglobina).
Como as hemácias são células, elas podem ser vistas com um microscópio. Deste modo, além do teste da fita, também podemos procurar por hemácias diretamente pelo exame microscópico, uma técnica chamada de sedimentoscopia. Através do microscópio consegue-se detectar qualquer presença de sangue, mesmo quantidades mínimas não detectadas pela fita.
Neste caso, os valores normais são descritos de duas maneiras:
– Menos que 3 a 5 hemácias por campo ou menos que 10.000 células por mL
A presença de sangue na urina chama-se hematúria e pode ocorrer por diversas doenças, tais como infecções, pedras nos rins e doenças renais graves (para saber mais detalhes sobre a hematúria.
Um resultado falso positivo pode acontecer nas mulheres que colhem urina enquanto estão na período menstrual. Neste caso, o sangue detectado não vem da urina, mas sim do sangue ainda residual presente na vagina. Nos homens, a presença de sêmen na urina também pode provocar falso positivo.
Uma vez detectada a hematúria, o próximo passo é avaliar a forma das hemácias em um exame chamado “pesquisa de dismorfismo eritrocitário”. As hemácias dismórficas são hemácias com morfologia alterada, comum em algumas doenças como a glomerulonefrite. É possível haver pequenas quantidades de hemácias dismórficas na urina sem que isso tenha relevância clínica. Apenas valores acima de 40 a 50% costumam ser considerados relevantes.
Não é todo laboratório que possui gente capacitada para executar esse exame. Por isso, muitas vezes ele não é feito automaticamente. É preciso o médico solicitar especificamente essa avaliação.
- Leucócitos ou piócitos
Os leucócitos, também chamados de piócitos, são os glóbulos brancos, nossas células de defesa. A presença de leucócitos na urina costuma indicar que há alguma inflamação nas vias urinárias. Em geral, sugere infecção urinária, mas pode estar presente em várias outras situações, como traumas, uso de substâncias irritantes ou qualquer outra inflamação não causada por um agente infeccioso. Podemos simplificar e dizer que leucócitos na urina significa pus na urina.
Como também são células, os leucócitos podem ser contados na sedimentoscopia. Valores normais estão abaixo dos 10.000 células por mL ou 5 células por campo
- Cetonas ou corpos cetônicos:
Os corpos cetônicos são produtos da metabolização das gorduras. Os corpos cetônicos são produzidos quando o corpo está com dificuldade em utilizar a glicose como fonte de energia. As causas mais comuns são o diabetes, o jejum prolongado e dietas rigorosas. Outras situações menos comuns incluem febre, doença aguda, hipertireoidismo, gravidez e até aleitamento materno.
Normalmente a produção de cetonas é muito baixa e estas não estão presentes na urina.
Alguns medicamentos como captopril, ácido valproico, vitamina C (ácido ascórbico) e levodopa podem causar falso positivos.
- Urobilinogênio e bilirrubina
Também normalmente ausentes na urina, podem indicar doença hepática (fígado) ou hemólise (destruição anormal das hemácias). A bilirrubina só costuma aparecer na urina quando os seus níveis sanguíneos ultrapassam 1,5 mg/dL. O urobilinogênio pode estar presente em pequenas quantidades sem que isso tenha relevância clínica.
- Nitritos
A urina é rica em nitratos. A presença de bactérias na urina transforma esses nitratos em nitritos. Portanto, nitrito positivo é um sinal indireto da presença de bactérias. Nem todas as bactérias têm a capacidade de metabolizar o nitrato, por isso, exame de urina com nitrito negativo de forma alguma descarta infecção urinária.
Na verdade, o EAS apenas sugere infecção. A presença de hemácias, associado a leucócitos e nitritos positivos, fala muito a favor de infecção urinária, porém, o exame de certeza é a urocultura.
A pesquisa do nitrito é feita através da reação de Griess, que é o nome dado a reação do nitrito com um meio ácido. Por isso, alguns laboratórios fornecem o resultado como Griess positivo ou Griess negativo, que é igual a nitrito positivo ou nitrito negativo, respectivamente.
- Cristais
Esse é talvez o resultado mais mal interpretado, tanto por pacientes como por alguns médicos. A presença de cristais na urina, principalmente de oxalato de cálcio, fosfato de cálcio ou uratos amorfos, não tem nenhuma importância clínica. Ao contrário do que se possa imaginar, a presença de cristais não indica uma maior propensão à formação de cálculos renais. Dito isso, é importante destacar que, em alguns casos, a presença de determinados cristais pode ser um sinal para alguma doença.
Os cristais com relevância clínica são:
- Cristais de cistina – Indicam uma doença chamada cistinúria.
- Cristais de magnésio-amônio-fosfato (chamado de cristais de estruvita ou cristais de fosfato triplo) – podem ser normais, mas também podem estar presentes em casos de urina muito alcalina provocada por infecção urinária pelas bactérias Proteus ou Klebsiella. Pacientes com cálculo renal por pedras de estruvita costumam ter esses cristais na urina.
- Cristais de tirosina – Presentes em uma doença chamada tirosinemia.
- Cristais de bilirrubina – Costumam indicar doença do fígado.
- Cristais de colesterol – Costuma ser um sinal de perdas maciças de proteína na urina.
A presença de cristais de ácido úrico, caso em grande quantidade, também deve ser valorizada, pois podem surgir em pacientes com gota ou neoplasias, como linfoma ou leucemia. Cristais de ácido úrico em pequena quantidade, porém, são comuns e não indicam nenhum problema.
- Células epiteliais e cilindros
A presença de células epiteliais na urina é normal. São as próprias células do trato urinário que descamam. Elas só têm valor quando se agrupam em forma de cilindro, recebendo o nome de cilindros epiteliais.
Como os túbulos renais são cilíndricos, toda vez que temos alguma substância (proteínas, células, sangue…) em grande quantidade na urina, elas se agrupam em forma de um cilindro. A presença de cilindros indica que esta substância veio dos túbulos renais e não de outros pontos do trato urinário como a bexiga, ureter, próstata, etc. Isto é muito relevante, por exemplo, nos casos de sangramento, onde um cilindro hemático indica o glomérulo como origem, e não a bexiga, por exemplo.
Os cilindros que podem indicar algum problema são:
– Cilindros hemáticos (sangue) = Indicam glomerulonefrite.
– Cilindros leucocitários = Indicam inflamação dos rins.
– Cilindros epiteliais = indicam lesão dos túbulos.
– Cilindros gordurosos = indicam proteinúria.
Cilindros hialinos não indicam doença, mas podem ser um sinal de desidratação.
A presença de muco na urina é inespecífica e normalmente ocorre pelo acúmulo de células epiteliais com cristais e leucócitos. Tem pouquíssima utilidade clínica. É mais uma obervação.
Em relação ao EAS (urina tipo I) é importante salientar que esta é uma análise que deve ser sempre interpretada. Os falsos positivos e negativos são muito comuns e não dá para se fechar qualquer diagnóstico apenas comparando os resultados com os valores de referência.
- Ácido ascórbico na urina
É comum os laboratórios chamarem a atenção quando há ácido ascórbico (vitamina C) na urina. Este dado é importante porque o ácido ascórbico pode alterar os resultados do dipstick, principalmente na detecção de hemoglobina, glicose, nitritos, bilirrubina e cetonas. É importante o médico saber que resultados inesperados podem ser falsos positivos ou falsos negativos causados pela vitamina C.